Balta é o nome dado ao narrador do livro por um amigo de seu pai, Floriano, que acreditava que o jovem seria de suma importância para o futuro da pátria. O amigo do pai é quem tutela o filho quando se torna órfão e passa a participar de acontecimentos políticos durante um período de exceção. Narrado em primeira pessoa, mas somente com fragmentos, Balta é uma novela construída como aporia: a interrupção de formação se torna deformação, a impossibilidade de uma narrativa teleológica se transforma em fragmento, a confissão é para nublar os acontecimentos, aquilo que se mostra ao mesmo tempo se esconde e a linguagem rebusca na hora de deixar crua a violência.
Apesar dos acontecimentos de Balta se concentrarem em um período histórico – a última ditadura brasileira – o tempo é expandido é constituído por vários pedaços da história de nossa república. Assim, as temporalidades se infiltram nas brechas dos fragmentos, reconstituindo uma história que é tão marcada pela violência, pela exceção, pelo abuso do poder, mas também pela impunidade. A fragmentação do texto também reflete sobre o próprio processo da memória da história brasileira, como aponta Flora Sussekind, em que o trauma impede uma visão completa, apesar das feridas abertas.
O livro, contudo, não é uma reconstituição histórica do período. Mesmo que aponte para eventos históricos – como o assassinato do empresário Henning Albert Boilesen, apoiador da ditadura e que tinha prazer em assistir torturas; a morte de Maria Auxiliadora Barcelos, a Dôdora; a guerrilha do Araguaia e seu líder Osvaldão e seu assassinato, expondo seu corpo dependurado em um helicóptero na região da guerrilha – ele é mais uma tentativa de reflexão sobre os impulsos autoritários no país, sobre os silenciamentos dos traumas, sobre a possibilidade de narrar, sobre as engrenagens de violência e a ação dos sujeitos em períodos de exceção.
Inspirado na arquitetura brutalista, Balta explora e deixar evidente os materiais da narrativa ao mesmo tempo que demonstra como a História nos molda. Essa é também a inspiração para o projeto gráfico do livro realizado pela Mariana Mist | OESTE que explora não só o concreto na capa, mas ele em contraste com a abertura costurada da lombada e a flexibilidade das páginas, entre o texto do livro e as tarjas que emolduram os fragmentos.
Emoldura toda a narrativa fotografias de Patrick Arley. Como o livro, a evidência da violência se constitui não como simples choque, mas como obnubilação de eventos. A relação entre a imagem, sangue, fogo, vermes, pele, corpos e pedaços de corpos constitui um jogo em tons vermelhos que se esparrama pelo livro nas letras com ranhuras em suas colorações em que texto e imagem constroem uma relação dialética e complementar.