“Jamais o fogo nunca” é o primeiro romance da escritora chilena Diamela Eltit traduzido para o público brasileiro. Com um título que provém de um enigmático verso de César Vallejo, o romance se constitui pela voz, em primeira pessoa, de uma mulher cujo dado biográfico essencial é ter sido uma sobrevivente da luta política no período do regime militar, luta que trouxe consigo a delação, o cárcere e a perda de um filho. A obra parte desse pano de fundo histórico e pessoal para seguir em direção ao microcosmo dessa voz e examinar o tecido medular das subjetividades que trançaram as utopias e sentidos do século XX, encarando a condição precária dos corpos excedentes desse tempo.
A partir de uma máxima ambiguidade, o romance se abre a diversas possibilidades, nas quais oscila e se dissolve a fronteira entre a vida e a morte, entre o corporal e o social. A noção de célula funciona, no romance, como chave política, mas, também, como unidade básica do corpo, ambas as arestas ali presentes para produzir a explosão e a confusão entre corpo e política.
Do lado escuro de um espelho, a face e a contraface de um homem e uma mulher percorrem perdas e resíduos, encarnando o tecido da época moderna, que se vislumbra como opaca, estéril, traiçoeira. O fracasso da utopia de uma geração espelha o fracasso vital dessa mulher sem nome e de seu companheiro, que se encerram em uma habitação e compartilham uma língua privada que já não serve mais para criar e dar sentido à experiência, mas apenas para manter a memória de um passado compartilhado. Eles operam como avessos de uma tapeçaria que não tem uma única verdade, nem um único destino, sendo feita de ecos que desarmam e desmontam seus traços, desmentindo a estabilidade e a verdade de qualquer cronologia. Narrar o fracasso a partir do interior da língua é um dos principais méritos desta obra de Diamela Eltit.
Com tradução e prefácio do escritor Julián Fuks, a leitura de “Jamais o fogo nunca” apresentará aos leitores brasileiros uma experiência literária de primeira ordem e, finalmente, uma escritora que ocupa um lugar central na narrativa chilena e hispano-americana contemporâneas.
>>> Jamais O Fogo Nunca é um romance de 2007 que foi eleito em 2016 pelo suplemento Babelia, do El País, um dos 25 melhores romances em espanhol dos últimos 25 anos.