Lá pela já remota adolescência, eu ficava intrigada com a maneira como os livros vinham ao mundo. Não tinha muita noção de que havia editoras e autores vivos, mas ficava imaginando que alguém punha livros para circular, além do autor das mal traçadas linhas.
Mais tarde, descobri, nem sei como, que as tais mal traçadas linhas eram, na verdade, tratadas por pessoas que transformavam textos originais em obras, nem sempre num passe de mágica. Aliás, descobri bem mais tarde que nada ali era mágica: nem o texto, nem o trabalho editorial (que podia envolver o autor), nem a fama, nem a glória, nem o fato de alguns livros e autores chegarem facilmente até mim, enquanto outros, em especial outras, nunca chegavam nem chegariam. Se eu não garimpasse muito, com fervor, ficaria só ali na beirinha da praia.
Muito amor envolvido. Mas, não só
Meu amor pela literatura não era só por ela. Já seria muito se fosse, mas havia mais. Meu amor incluía os livros, o objeto que trazia certa literatura para mim. E não bastava que eu consumisse esses livros, essas obras; eu queria ainda aprender a fazê-las, tanto texto quanto livro. Ou seja: a meu ver, sempre foi possível transitar entre o original e o processo editorial, embora muita gente prefira imaginar que cabe à editora resolver o problema de produzir e vender um livro.
De fato, cabe. É pergunta que sempre tem lugar: por que alguém que escreve deseja uma editora para seu rebento? Há alguns anos, essa resposta soava mais difícil. No fim do século XX, a conversão de autores em editores se tornou mais possível, mais comum até. De algum modo, sempre foi possível publicar sozinho, às próprias custas. No entanto, rapidamente vem a frustração de não saber os caminhos de muita coisa, em especial de fazer o livro circular.
Expectativa x realidade
Um editor ou uma editora é o depositário de muita confiança. Não apenas. Também acaba sendo depositário de expectativas, geralmente altas, e de sonhos. Se esses papéis de autor e editor já foram mais distintos e mais claros, é interessante observar que vêm mudando com o passar do tempo. A despeito das colaborações afetuosas que possam existir entre uns e outros, costuma haver uma tensão, menos ou mais explícita, entre essas duas figuras, que se consorciam para que um livro exista.
Provavelmente, muitos autores e autoras quiseram publicar seus livros por editoras, as procuraram, enviaram originais, frustraram-se com o timing das respostas (quando elas vêm…), enraiveceram-se com a existência, enfim, de seus livros apenas minimamente conhecidos. Nada parecido com aquilo que a gente via na escola. Outros autores e autoras reagiram criando suas editoras, seus selos, em grande medida para se autopublicar, mas na sequência passando à produção de amigos e amigas, colegas, desconhecidos. Aí, sim, começa o trabalho de curadoria que faz de um catálogo algo mais que uma prestação de serviço.
O trabalho cuidadoso e intenso de uma editora deve ser bem observado pelas pessoas que se interessam pelos livros e pela literatura. É já bom que tenhamos interesse nas histórias, nos poemas, mas o interesse na complexa teia que torna tudo outra coisa, maior, mais ampla, é também ótimo. Vendo assim será possível perceber não uma relação autor e editor, autora e editora, mas um espectro de possibilidades que vão, por exemplo, da autoedição ao best-seller mundial. E ó: tem chão aí.
Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte. Autora de livros de poesia, crônica, conto e infantojuvenis, é professora da rede federal de ensino e pesquisadora do livro e da edição. Pela Relicário, publicou Álbum (2018).
URUÇUMIRIM VIVE por Rafael Freitas da Silva Repousa exatamente na mesa do prefeito da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro um decreto, com verificação fidedigna do estágio de localização do documento por meio do acesso ao protocolo público, uma folha de papel que tem o poder de transcender a história e a identidade …
O MANTO ESTRANHO DO SILÊNCIO por Ana Elisa Ribeiro Há alguns dias, postei no Facebook um parágrafo meio amargurado. Confessei que atravesso uma espécie de desânimo literário, próximo à desistência, mas ainda contaminado por uma paixão que talvez vença a disputa. Uma tristeza criativa, uma espécie de desilusão, que termina por minar um …
ENTREVISTA FICTÍCIA DA ESCRITORA IMAGINÁRIA por Ana Elisa Ribeiro Quando você se assumiu escritora? Esta pergunta pressupõe que ser escritora seja uma espécie de eclosão, assunção ou até mesmo metamorfose. A gente nasce, cresce e, um dia, a depender de alguma coisa externa, sente-se apta a se considerar escritora. Mas confesso que me …
NARRATIVA EM WALTER BENJAMIN por Patrícia Lavelle Em 15 de julho de 2022, o berlinense Walter Benjamin completaria 130 anos. Um dos mais relevantes filósofos e pensadores de todos os tempos, o jovem Benjamin peregrinou por universidades na Alemanha e na Suíça, onde realizou doutorado em filosofia durante a Primeira Guerra Mundial. Nos anos …
COLUNA MARCA PÁGINA
UMA EDITORA PARA CHAMAR DE SUA
por Ana Elisa Ribeiro
Lá pela já remota adolescência, eu ficava intrigada com a maneira como os livros vinham ao mundo. Não tinha muita noção de que havia editoras e autores vivos, mas ficava imaginando que alguém punha livros para circular, além do autor das mal traçadas linhas.
Mais tarde, descobri, nem sei como, que as tais mal traçadas linhas eram, na verdade, tratadas por pessoas que transformavam textos originais em obras, nem sempre num passe de mágica. Aliás, descobri bem mais tarde que nada ali era mágica: nem o texto, nem o trabalho editorial (que podia envolver o autor), nem a fama, nem a glória, nem o fato de alguns livros e autores chegarem facilmente até mim, enquanto outros, em especial outras, nunca chegavam nem chegariam. Se eu não garimpasse muito, com fervor, ficaria só ali na beirinha da praia.
Muito amor envolvido. Mas, não só
Meu amor pela literatura não era só por ela. Já seria muito se fosse, mas havia mais. Meu amor incluía os livros, o objeto que trazia certa literatura para mim. E não bastava que eu consumisse esses livros, essas obras; eu queria ainda aprender a fazê-las, tanto texto quanto livro. Ou seja: a meu ver, sempre foi possível transitar entre o original e o processo editorial, embora muita gente prefira imaginar que cabe à editora resolver o problema de produzir e vender um livro.
De fato, cabe. É pergunta que sempre tem lugar: por que alguém que escreve deseja uma editora para seu rebento? Há alguns anos, essa resposta soava mais difícil. No fim do século XX, a conversão de autores em editores se tornou mais possível, mais comum até. De algum modo, sempre foi possível publicar sozinho, às próprias custas. No entanto, rapidamente vem a frustração de não saber os caminhos de muita coisa, em especial de fazer o livro circular.
Expectativa x realidade
Um editor ou uma editora é o depositário de muita confiança. Não apenas. Também acaba sendo depositário de expectativas, geralmente altas, e de sonhos. Se esses papéis de autor e editor já foram mais distintos e mais claros, é interessante observar que vêm mudando com o passar do tempo. A despeito das colaborações afetuosas que possam existir entre uns e outros, costuma haver uma tensão, menos ou mais explícita, entre essas duas figuras, que se consorciam para que um livro exista.
Provavelmente, muitos autores e autoras quiseram publicar seus livros por editoras, as procuraram, enviaram originais, frustraram-se com o timing das respostas (quando elas vêm…), enraiveceram-se com a existência, enfim, de seus livros apenas minimamente conhecidos. Nada parecido com aquilo que a gente via na escola. Outros autores e autoras reagiram criando suas editoras, seus selos, em grande medida para se autopublicar, mas na sequência passando à produção de amigos e amigas, colegas, desconhecidos. Aí, sim, começa o trabalho de curadoria que faz de um catálogo algo mais que uma prestação de serviço.
O trabalho cuidadoso e intenso de uma editora deve ser bem observado pelas pessoas que se interessam pelos livros e pela literatura. É já bom que tenhamos interesse nas histórias, nos poemas, mas o interesse na complexa teia que torna tudo outra coisa, maior, mais ampla, é também ótimo. Vendo assim será possível perceber não uma relação autor e editor, autora e editora, mas um espectro de possibilidades que vão, por exemplo, da autoedição ao best-seller mundial. E ó: tem chão aí.
Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte. Autora de livros de poesia, crônica, conto e infantojuvenis, é professora da rede federal de ensino e pesquisadora do livro e da edição. Pela Relicário, publicou Álbum (2018).
Posts relacionados
COLUNA PINDORAMA
URUÇUMIRIM VIVE por Rafael Freitas da Silva Repousa exatamente na mesa do prefeito da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro um decreto, com verificação fidedigna do estágio de localização do documento por meio do acesso ao protocolo público, uma folha de papel que tem o poder de transcender a história e a identidade …
COLUNA MARCA PÁGINA
O MANTO ESTRANHO DO SILÊNCIO por Ana Elisa Ribeiro Há alguns dias, postei no Facebook um parágrafo meio amargurado. Confessei que atravesso uma espécie de desânimo literário, próximo à desistência, mas ainda contaminado por uma paixão que talvez vença a disputa. Uma tristeza criativa, uma espécie de desilusão, que termina por minar um …
COLUNA MARCA PÁGINA
ENTREVISTA FICTÍCIA DA ESCRITORA IMAGINÁRIA por Ana Elisa Ribeiro Quando você se assumiu escritora? Esta pergunta pressupõe que ser escritora seja uma espécie de eclosão, assunção ou até mesmo metamorfose. A gente nasce, cresce e, um dia, a depender de alguma coisa externa, sente-se apta a se considerar escritora. Mas confesso que me …
COLUNA GABINETE DE CURIOSIDADES
NARRATIVA EM WALTER BENJAMIN por Patrícia Lavelle Em 15 de julho de 2022, o berlinense Walter Benjamin completaria 130 anos. Um dos mais relevantes filósofos e pensadores de todos os tempos, o jovem Benjamin peregrinou por universidades na Alemanha e na Suíça, onde realizou doutorado em filosofia durante a Primeira Guerra Mundial. Nos anos …