No Dia Mundial do Mar, a coordenadora da Coleção Marguerite Duras escreve sobre a onipresença
do mar na obra de uma das maiores autoras francófonas de todos os tempos
Por Luciene Guimarães de Oliveira
O mar de Marguerite Duras evoca o que não se pode nomear, o irrepresentável, o incomensurável, o desconhecido. Imensidão, mistério, medo, encantamento, fascínio… Seu movimento alterna forças devastadoras e serenas, conflituosas entre o prazer da contemplação e o receio de ser submerso.
“Em Trouville, no entanto, havia a praia, o mar, a imensidão dos céus, das areias. Era isso a solidão. Foi em Trouville que contemplei o mar até o nada.” (Escrever)
“É ali que termina Hiroshima e começa o Pacífico.” (Hiroshima, meu amor)
O mar da Barragem contra o Pacífico, mar de ruína, e mar que nutre o imaginário feminino mer/mère (mar/mãe). Memória de uma infância passada num país peninsular, o mar da Indochina, que tentou constantemente recriar, o mar de Duras é escrito, filmado, imaginado, fantasiado, inspirador, ilimitado.[1] Sem contar os lugares marítimos mencionados que fazem parte de uma geografia pessoal existente ou inventada, como observa Simona Crippa – Trouville, Rocca, Malaca, Gibraltar, S. Thala, T. Beach, Quillebeuf. As paisagens portuárias são inúmeras, assim como os personagens ligados a qualquer atividade marítima, como Chauvin, de Moderato cantabile.
“– Venha – exclamou Anne Desbarades. – Vamos passear. – Na beira do mar? – Na beira do mar, por toda parte. Venha.” (Moderato Cantabile)
O Ciclo Atlântico
Como denominado pela critica durassiana, o Ciclo Atlântico de Marguerite Duras é marcado pela chegada do companheiro e editor paralelo Yann Andréa na vida da escritora. Esse acontecimento inaugura uma nova dimensão na obra tanto literária quanto fílmica.
“O mar chegou diante do quarto. Não devem estar distantes da manhã. É o mar insone que está ali, bem perto das paredes, é bem o seu rumor, ralentado, exterior, o que leva à morte.” (Olhos azuis, cabelos pretos)
Olho azuis, cabelos pretos; O verão de 80; Escrever; O homem atlântico; O homem sentado no corredor (estes dois últimos títulos ainda inéditos na Coleção MD) representam tal ciclo em que Duras escreve e filma em Trouville, cidade à beira-mar onde passava os verões.
“O mar está alto, parado, sua superfície está lisa, perfeita, uma seda sob o céu pesado e cinzento. Faz alguns dias que as tempestades se distanciam e fogem na direção do mar.” (O verão de 80)
Não se trata de um mar qualquer, mar de dimensão estética e política, onde finda a Segunda Guerra Mundial, mar cenário de seu cinema, que desafia a fronteira do real e do imaginário.
O mar constitui um verdadeiro motif, tema que inerva sua literatura desde a Barragem contra o Pacífico, passando pelo O homem Atlântico até O Amante da China do Norte.
E, no entanto, um bom número de personagens durassianas olha para o mar, em textos e filmes, porque contemplá-lo é confrontar o desejo e o mistério. Caberia, portanto, questionar o caráter – poético, estético, político – dessa observação e que evoca as inúmeras facetas de uma escritora de múltiplas dimensões como Marguerite Duras.
Luciene Guimarães de Oliveira é doutora em Littérature et arts de la scène et de l’écran pela Université Laval, no Canadá. Tradutora de Escrever, primeiro título da Coleção Marguerite Duras, da qual também assina a coordenação.
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COLUNA LIVRE
O MAR DE MARGUERITE
No Dia Mundial do Mar, a coordenadora da Coleção Marguerite Duras escreve sobre a onipresença
do mar na obra de uma das maiores autoras francófonas de todos os tempos
Por Luciene Guimarães de Oliveira
O mar de Marguerite Duras evoca o que não se pode nomear, o irrepresentável, o incomensurável, o desconhecido. Imensidão, mistério, medo, encantamento, fascínio… Seu movimento alterna forças devastadoras e serenas, conflituosas entre o prazer da contemplação e o receio de ser submerso.
“Em Trouville, no entanto, havia a praia, o mar, a imensidão dos céus, das areias. Era isso a solidão. Foi em Trouville que contemplei o mar até o nada.” (Escrever)
“É ali que termina Hiroshima e começa o Pacífico.” (Hiroshima, meu amor)
O mar da Barragem contra o Pacífico, mar de ruína, e mar que nutre o imaginário feminino mer/mère (mar/mãe). Memória de uma infância passada num país peninsular, o mar da Indochina, que tentou constantemente recriar, o mar de Duras é escrito, filmado, imaginado, fantasiado, inspirador, ilimitado.[1] Sem contar os lugares marítimos mencionados que fazem parte de uma geografia pessoal existente ou inventada, como observa Simona Crippa – Trouville, Rocca, Malaca, Gibraltar, S. Thala, T. Beach, Quillebeuf. As paisagens portuárias são inúmeras, assim como os personagens ligados a qualquer atividade marítima, como Chauvin, de Moderato cantabile.
“– Venha – exclamou Anne Desbarades. – Vamos passear.
– Na beira do mar?
– Na beira do mar, por toda parte. Venha.”
(Moderato Cantabile)
O Ciclo Atlântico
Como denominado pela critica durassiana, o Ciclo Atlântico de Marguerite Duras é marcado pela chegada do companheiro e editor paralelo Yann Andréa na vida da escritora. Esse acontecimento inaugura uma nova dimensão na obra tanto literária quanto fílmica.
“O mar chegou diante do quarto. Não devem estar distantes da manhã. É o mar insone que está ali, bem perto das paredes, é bem o seu rumor, ralentado, exterior, o que leva à morte.” (Olhos azuis, cabelos pretos)
Olho azuis, cabelos pretos; O verão de 80; Escrever; O homem atlântico; O homem sentado no corredor (estes dois últimos títulos ainda inéditos na Coleção MD) representam tal ciclo em que Duras escreve e filma em Trouville, cidade à beira-mar onde passava os verões.
“O mar está alto, parado, sua superfície está lisa, perfeita, uma seda sob o céu pesado e cinzento. Faz alguns dias que as tempestades se distanciam e fogem na direção do mar.” (O verão de 80)
Não se trata de um mar qualquer, mar de dimensão estética e política, onde finda a Segunda Guerra Mundial, mar cenário de seu cinema, que desafia a fronteira do real e do imaginário.
O mar constitui um verdadeiro motif, tema que inerva sua literatura desde a Barragem contra o Pacífico, passando pelo O homem Atlântico até O Amante da China do Norte.
E, no entanto, um bom número de personagens durassianas olha para o mar, em textos e filmes, porque contemplá-lo é confrontar o desejo e o mistério. Caberia, portanto, questionar o caráter – poético, estético, político – dessa observação e que evoca as inúmeras facetas de uma escritora de múltiplas dimensões como Marguerite Duras.
Luciene Guimarães de Oliveira é doutora em Littérature et arts de la scène et de l’écran pela Université Laval, no Canadá. Tradutora de Escrever, primeiro título da Coleção Marguerite Duras, da qual também assina a coordenação.
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