Nesse segundo poemário (após Bye Bye Babel, 2018), Patrícia Lavelle se empenha mais uma vez na busca que vem singularizando sua escrita – a da experiência da linguagem como construção de imagens pensativas – aquelas que, tensionando representação e criação, visualidade e reflexividade, convidam a um outro modo de percepção e compreensão das coisas. Tal empenho se concretiza já no título dado ao livro: suas sombras longas constituem de fato uma ironização da alegoria platônica da caverna, num reinvestimento da reflexão sobre as relações entre visão e pensamento. Inscritas agora num movimento de jogo sobredeterminante e aberto portanto à indeterminação, entre sensação, percepção, memória e imaginação, elas contaminam a pureza outrora atribuída ao discurso filosófico-conceitual sobre a verdade.
Tal movimento pode ser acompanhado desde o modo como Patrícia elabora e evidencia a materialidade das palavras e de belas e intrigantes reproduções de fotos e pinturas que faz dialogar com os poemas. Assim ocorre no jogo de sonoridade e sugestão entre sombras e longas – sombras que mais adiante ainda se multiplicam e alongam e desdobram tanto em obras quanto em sobras e assombros. Assim também ocorre com a aproximação seminal entre origens e vertigens – que desestabiliza as ideias mesmas de sentido e fundamento – como aquela que a poeta sugere a partir de um possível umbigo de deus – o tradicional deus masculino – percebido e/ou imaginado no afresco pintado por Michelangelo na capela Sistina e vai relacionar à origem do mundo desvelada por Courbet em sua transgressiva focalização da genitália feminina.
Articulando o semântico ao semiótico, a visualidade à sonoridade e ao deslocamento, esse movimento chama a atenção do leitor para o caráter performativo de palavras, imagens e pensamentos. Estes, em sua mútua afetação, focalizados muitas vezes narrativamente, enquanto produção contínua, descontínua e hesitante, nos transportam do mito à filosofia e à poesia, através de mãos, vozes e línguas várias. Desde Filomela e Penélope a Safo, Artemísia Gentileschi, Orides Fontela e Adília Lopes, entre outras, vão emergindo as muitas referências femininas que, desentranhadas de um cânone masculino – também representado por pintores, poetas e pensadores – habitam a poesia de Patrícia.
Essas referências se constituem simultaneamente em presença e vazio, origem e vertigem como indicam os poemas iniciais, dedicados às mãos positivas e negativas gravadas nas paredes ditas pré-históricas da gruta do Vale do Río Pinturas, na Patagônia e muito tardiamente identificadas como femininas. Em sua diversidade e fragmentação compõem como que uma base metonímica para a imagem dos corpos, bem como para o corpo dos poemas e, a partir dela, para o transporte e a metamorfose metafóricos, por entre diferentes espaços e tempos, então desierarquizados. A poesia encena desse modo uma dramatização da subjetividade como efeito de um gesto sempre inacabado que reativa a potência simbólica e cognitiva da experiência da vida e do pensamento e implica simultaneamente numa ética e numa política provocativamente amorosa e crítica.
Do texto de orelha de Célia Pedrosa