Os editores Daniel Arelli e Gustavo Silveira Ribeiro assim apresentam a edição:
Concebida no primeiro ano da pandemia, Ouriço chega a seu terceiro volume. Fomos os primeiros a reconhecer, já em seu primeiro número, que ela inevitavelmente traria consigo as marcas do tempo e do espaço em que foi gestada. Nascida de um presente terrível e claustrofóbico, só parecia restar então à revista investigar suas possibilidades – talvez escassas, provavelmente escassas – de lhe opor resistência. Por isso, Ouriço veio à luz a um só tempo contra o presente e aberta ao futuro. Cada um de seus elementos – desde a escolha de Sebastião Uchoa Leite como seu patrono e dos versos-tema de cada volume, passando por sua própria concepção como uma revista de poesia e crítica cultural, até seu desenho gráfico – gostariam de condensar explícita ou implicitamente, e cada um a seu modo, essa circunstância. Hoje, quando logramos a duríssimas penas empurrar aquele presente para um passado infelizmente ainda pouco distante, este terceiro volume da Ouriço procura respirar o que há de novo e fresco nos dias que correm – sem, evidentemente, abandonar sua vocação. Imaginá-los, imaginar, “ordenhar a volúvel vasta vaca azul-lavável chamada imaginação” nos pareceu o melhor caminho.
Logo que nos pusemos a investigar o tema – e o exuberante verso de Lu Menezes nos serviu tanto como mote quanto como enigma –, nos demos conta mais uma vez de seu caráter profundamente multifacetado. É verdade que estamos acostumados a conceber a criação artística, sobretudo naquilo que ela possui de ficcionalização e fabulação, como inseparável do exercício da imaginação. Raramente temos presente, no entanto, que a imaginação pode ser desdobrada em vários outros sentidos. Não apenas como rarefeita faculdade de produção de imagens supostamente libertas dos constrangimentos do real, mas também como atividade presente seja na percepção mais concreta, seja no raciocínio mais abstrato: de fato, como separar a visão concreta da paisagem urbana à minha frente daquilo que a minha imaginação já incrusta nela tão logo encontra a retina? Não apenas como faculdade da mente humana, mas como potência inerente a outras formas de sensibilidade, percepção e pensamento: como escreveu W. G. Sebald em Austerlitz: “talvez a alface no pomar sonhe quando de noite ergue a vista para a lua”. Não apenas como faculdade da mente (de qualquer uma, de todas elas), mas como plena cidadã do mundo que habitamos naquilo que ele possui de mais material, opaco e recalcitrante. Não apenas como condição de possibilidade da poesia em sua acepção mais própria (enquanto poiesis, criação), mas também como resultado crítico de seus efeitos. E assim por diante. Se compreendida em toda sua radicalidade, em suma, a imaginação pode ser tanto vasta força de contraposição ao mundo quanto seu aliado íntimo, tanto volúvel potência da mente quanto alimento do real.
Participam da edição:
Age de Carvalho, Allan Jones, Amelia Rosselli, Ana Estaregui, Ana Maria Vasconcelos, Ana Martins Marques, Anne Sexton, Annita Costa Malufe, Arnaldo Antunes, Bruna Beber, Cide Piquet, Clara Delgado, Daniel Arelli, Danielle Freitas, Dirceu Villa, Douglas Pompeu, Ederval Fernandes, Edoardo Sanguinetti, Ellen Maria Vasconcellos, EZLN, Fabiano Calixto, Gabriela Soares da Silva, George Oppen, Guilherme Mansur, Gustavo Silveira Ribeiro, Hirondina Joshua, Ismar Tirelli Neto, Ítalo Moriconi, Izabela Leal, Jean-Christophe Bailly, Jessica Di Chiara, José Miguel Silva, Julia de Carvalho Hansen, Julio Mendonça, Lauro Mesquita, Leonardo Gandolfi, Lu Menezes, Lucas Litrento, Marcelo Jacques de Moraes, Maria Aparecida Barbosa, Maria Dolores Rodriguez, Marielle Macé, Masé Lemos, Maura Voltarelli Roque, Myriam Ávila, Pádua Fernandes, PJ Harvey, Prisca Agustoni, Raphael Urweider, Ricardo Domeneck, Rodolfo Mata, Sérgio Medeiros, Simone Brantes, Tatiana Faia, Thiago E, Valentina Cantori, Walter Benjamin e Yasmin Bidim.