Em vez de “Dia do Livro”, “Livro Todo Dia” é uma proposta que me fiz desde criança. Numa quinta-feira quente, durante uma banca de mestrado sobre como ensinar a ler melhor, meio desanimadas, falávamos da nossa relação sistematicamente precarizada com a leitura, em especial a de professores e professoras, que deveriam ser pagos também para ler e estudar para sempre. Não são. E cada vez menos. E cada vez mais, alguns persistentes brigam para proteger umas horinhas de leituras interrompidas, desculpando-se falsamente, cinicamente, quando são pegos pelos capitães-do-mato: à toa aí, moleirona? À toa? Não! Lendo.
Livros estão presentes em nossas vidas, queiramos ou não. Pode ser que alguém tenha conhecido Julieta num filme americano, mas foi no teatro e num livro que ela atravessou os séculos. Pode ser que o rapazote tenha como referência uma série da Netflix ou um filme da Disney quando pensa em Crusoé, mas foi num livro que tudo começou. Também pode ser que uma Capitu assalte nossos sonhos à noite na figura de uma bela atriz global, mas foi num livro de Machado de Assis que essa mulher se revelou. Os livros estão salpicados, incrustrados, cravejados, diluídos, agarrados, grudados, esparramados, interpolados, amalgamados em tudo, em nós, inclusive no que não lemos, como curiosamente estudou o sociólogo francês Pierre Bayard.
Em 2019, tomei consciência de que me subtraíam tempo de leitura. Não é fácil identificar isso, menos ainda evitar. Decidi ser rebelde, então, e me prometi leituras de livros inteiros, a maioria de escolha (e não de obrigação), tantos por mês, quisessem os outros ou não. Me senti numa espécie de batalha, lutando contra um exército monstruoso, mas ainda capaz de táticas poderosas. Vou ler, sim, senhores e senhoras, e pronto.
Vamos celebrar o mês do livro? E quando é que os livros escoarão facilmente por nossas mãos, casas, cabeceiras, escadarias, poltronas, escrivaninhas, redes, esteiras, perto do vaso do banheiro, na mesinha da varanda e do alpendre, embaixo da árvore, no parque, na praça, sem que tenhamos a sensação de que há algo de errado conosco? Todos os livros do mundo, todos os temas e tipos, tamanhos e formatos, conforme a conveniência e o gosto do freguês e da freguesa. Diversos, universos, transversais, provocando uma frenagem no tempo preciosa para quem procura pensar e elaborar.
A leitura é um jeito de se submeter ao tempo, ganhando com ele o que não se ganha de outro modo. Começar, atravessar e terminar um livro têm uma cadência de cultivo, como as plantas na natureza. Tempo de semear, de regar, de ver crescer, de colher, de comer. Por que não mergulhar num livro agora e só sair na terceira margem, onde já não somos os/as mesmos/as nem queremos voltar atrás? Começar tudo de novo, só que diferente.
Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte. Autora de livros de poesia, crônica, conto e infantojuvenis, é professora da rede federal de ensino e pesquisadora do livro e da edição. Pela Relicário, publicou Álbum (2018).
O MISTÉRIO DA PREPARADORA por Ana Elisa Ribeiro Minha vida entre os livros começou cedo e a paixão por eles me levou a ambições que nunca me abandonaram, enquanto não se convertem em incômodas frustrações. Fui para a faculdade de Letras perseguindo uma ideia que sempre correu mais que eu, mas deu para me …
De vários anos para cá, cursos e obras sobre o que se costumou chamar de “escrita criativa” ganharam espaço não apenas nas universidades, inclusive com a oferta de pós-graduações específicas, mas em espaços livres e independentes de criação literária, na forma de oficinas esporádicas e workshops itinerantes. A “escrita criativa” está relacionada, em especial, com …
NOSSOS 8 ANOS DE LIVROS por Maíra Nassif [Este texto foi escrito pela editora Maíra Nassif, no dia 9 de outubro de 2021, aniversário de 8 anos da Relicário] Devo dizer que fiquei bem contente pelo aniversário de 8 anos da Relicário cair num sábado. HOJE! Isso porque posso estar aqui, sentada …
ALEGRIA E RESISTÊNCIA por Adriana Lisboa A travessia destes tempos pode parecer, muitas vezes, o escuro interior de um túnel de extensão indefinida. Noutros momentos, é um rio de terceiras margens. Ou então um sertão-deserto de pendor bíblico, com a diferença de que, na fórmula do ódio contemporâneo, os deuses andam arredios, sem saber …
COLUNA MARCA PÁGINA
LIVRO TODO DIA
por Ana Elisa Ribeiro
Livros estão presentes em nossas vidas, queiramos ou não. Pode ser que alguém tenha conhecido Julieta num filme americano, mas foi no teatro e num livro que ela atravessou os séculos. Pode ser que o rapazote tenha como referência uma série da Netflix ou um filme da Disney quando pensa em Crusoé, mas foi num livro que tudo começou. Também pode ser que uma Capitu assalte nossos sonhos à noite na figura de uma bela atriz global, mas foi num livro de Machado de Assis que essa mulher se revelou. Os livros estão salpicados, incrustrados, cravejados, diluídos, agarrados, grudados, esparramados, interpolados, amalgamados em tudo, em nós, inclusive no que não lemos, como curiosamente estudou o sociólogo francês Pierre Bayard.
Em 2019, tomei consciência de que me subtraíam tempo de leitura. Não é fácil identificar isso, menos ainda evitar. Decidi ser rebelde, então, e me prometi leituras de livros inteiros, a maioria de escolha (e não de obrigação), tantos por mês, quisessem os outros ou não. Me senti numa espécie de batalha, lutando contra um exército monstruoso, mas ainda capaz de táticas poderosas. Vou ler, sim, senhores e senhoras, e pronto.
Vamos celebrar o mês do livro? E quando é que os livros escoarão facilmente por nossas mãos, casas, cabeceiras, escadarias, poltronas, escrivaninhas, redes, esteiras, perto do vaso do banheiro, na mesinha da varanda e do alpendre, embaixo da árvore, no parque, na praça, sem que tenhamos a sensação de que há algo de errado conosco? Todos os livros do mundo, todos os temas e tipos, tamanhos e formatos, conforme a conveniência e o gosto do freguês e da freguesa. Diversos, universos, transversais, provocando uma frenagem no tempo preciosa para quem procura pensar e elaborar.
A leitura é um jeito de se submeter ao tempo, ganhando com ele o que não se ganha de outro modo. Começar, atravessar e terminar um livro têm uma cadência de cultivo, como as plantas na natureza. Tempo de semear, de regar, de ver crescer, de colher, de comer. Por que não mergulhar num livro agora e só sair na terceira margem, onde já não somos os/as mesmos/as nem queremos voltar atrás? Começar tudo de novo, só que diferente.
Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte. Autora de livros de poesia, crônica, conto e infantojuvenis, é professora da rede federal de ensino e pesquisadora do livro e da edição. Pela Relicário, publicou Álbum (2018).
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Sobre “Escrever sem escrever”, de Leonardo Villa-Forte | Por Ana Elisa Ribeiro
De vários anos para cá, cursos e obras sobre o que se costumou chamar de “escrita criativa” ganharam espaço não apenas nas universidades, inclusive com a oferta de pós-graduações específicas, mas em espaços livres e independentes de criação literária, na forma de oficinas esporádicas e workshops itinerantes. A “escrita criativa” está relacionada, em especial, com …
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