Marguerite Duras viveu 81 anos e 1996 foi o ano de sua morte. Naquela época, talvez eu a confundisse com outra escritora, a belga Marguerite Yourcenar, autora de Memórias de Adriano, livro que aparecia na lista de mais vendidos, mas que nunca me ocorrera ler. Naturalmente, não teria descoberto Duras antes de tentar desvendar Clarice Lispector: o interesse pela gênese ou processo criativo que ela experimentou entre as artes, livros e filmes. A hora da estrela, por exemplo, uma obra-prima absoluta, traz nas entrelinhas referências à música, à pintura, à sua própria narrativa autobiográfica. Como A Bela e a Fera aponta para o filme de Jean Cocteau, La Belle et la Bête, que Clarice havia visto. Tudo o que ela toca parece virar conto, crônica, palavra.
Mas trata-se aqui da minha história com Marguerite Duras. Era o ano de 2014, justamente o centenário de seu nascimento. Morando em Québec, visitei o Le Salon du Livre – evento realizado todos os anos, dessa vez com amplo espaço reservado à editora francesa Gallimard. Com títulos expostos em vários estandes, dois eram consagrados à obra de Marguerite Duras, um com o lançamento de uma reedição de luxo da sua biografia, autoria da jornalista e escritora Laure Adler, a jornalista que apresenta programas de entrevistas na France Culture. Adler participaria de uma mesa-redonda em que falaria sobre a vida e obra de Duras e contaria sobre sua amizade com a escritora. Permaneci no local encontrando uma vaga em meio ao público.
Ladeada de escritoras québecoises, lá estava ela. Pude então escutar um misto de depoimento e conferência fascinantes. A jornalista relatou como os livros de Duras mudaram sua vida: a empatia que ela sentiu num momento doloroso de sua vida com a partida de um filho e a leitura de Barragem contra o Pacífico. Minha conexão com as histórias de Adler e de Duras foi imediata. Absolutamente cativante, Laure Adler dizia: “Se você quer ler Duras, não se impressione pela faceta intelectual, deixe sua leitura livre, laisse aller o texto de Duras”. Ler despretensiosamente… E foi assim que comecei a ler primeiro La vie matérielle, narrativas curtas autobiográficas, híbridas entre crônicas e fatos, esgotado há anos no Brasil. Meu interesse não parou por aí. Comecei a percorrer bibliotecas, livrarias e sebos atrás de livros até chegar nos seus curtas-metragens. Até então, não sabia que ela era também cineasta. Quando escutei sua voz em off no curta Aurélia Steiner (o primeiro a que assisti), fiquei hipnotizada. Sua voz em tom monocórdio e seu texto poético me arrebataram! Enfim, tinha um problema: não sabia como ia me distanciar o bastante para propor uma pesquisa sobre sua obra.
Tudo se deu no ritmo das quatro estações, não aquela de Vivaldi, mas da angústia, do recomeço das estações. Cada folha que tombava no outono, a vontade de desistir de tudo no inverno, a primavera brotando de novo meu estímulo e encantamento por Marguerite Duras, no verão já estava quase em Trouville, flanando nas planches da praia e imaginando como aquele lugar, que felizmente pude conhecer em 2019, teria inspirado sua vida e obra.
Assim, depois de passar por invernos e verões, terminei um doutorado sobre o cinema de Duras. Agora, me dedico à tradução de Écrire, um de seus livros mais fascinantes e significativos. É um privilégio, um prazer, passar os dias na companhia do texto dessa escritora, roteirista, teatróloga, cronista e cineasta. E então, dessa árvore plantada num dia no outono canadense, cairá cada folha pintando o chão das cores magníficas do erablier, em tons de vermelho, rouge, bordeaux, amarelo, verde, enfim.
Luciene Guimarães tem doutorado sobre o cinema e a literatura de Marguerite Duras pela Universidade Laval, Québec, Canadá. Atualmente trabalha na tradução da obra Escrever para a Relicário.
A escrita como vício, conversa realizada em 23 de novembro de 2021, por ocasião do Circuito Marguerite Duras, teve entre os convidados/as a pesquisadora Isabela Bosi, que nos brindou com a leitura de um texto cheio de rigor e profundidade, o qual, a pedidos, reproduzimos aqui no Blog da Relicário, por ocasião da chegada de …
EGOÍSMO MEU Por Nara Vidal Há alguns anos, venho me dedicando a pequenas iniciativas que têm por objetivo divulgar literatura brasileira contemporânea onde moro. Não se trata de bondade ou altruísmo, já que são ações voluntárias. Minha relação com esse movimento é pautada no esforço da permanência de uma língua que é a minha …
CARTA A UMA AMIGA por Giovanna Dealtry Querida amiga escritora, Escrevo-lhe uma carta sem minha letra. Poderemos falar nisso em outra carta, se você assim o quiser. Sobre caligrafia e o desenho impresso no papel pelo gesto da mão e do aprendizado da linguagem. É um assunto do meu interesse, porque vivi angustiada com …
O FIO DAS PALAVRAS QUE VOAM por Pedro Meira Monteiro Palavras podem voar? Sair por aí, flanando? Podem cair, equilibrar-se, flutuar? Santo Agostinho pensava na palavra como um sinal, capaz de recordar ou apontar para algo. Já Abelardo fez uma pergunta bem mais interessante: o que seria do nome da rosa, se no mundo …
COLUNA GABINETE DE CURIOSIDADES
UM ENCONTRO DE ESTAÇÕES
por Luciene Guimarães
Mas trata-se aqui da minha história com Marguerite Duras. Era o ano de 2014, justamente o centenário de seu nascimento. Morando em Québec, visitei o Le Salon du Livre – evento realizado todos os anos, dessa vez com amplo espaço reservado à editora francesa Gallimard. Com títulos expostos em vários estandes, dois eram consagrados à obra de Marguerite Duras, um com o lançamento de uma reedição de luxo da sua biografia, autoria da jornalista e escritora Laure Adler, a jornalista que apresenta programas de entrevistas na France Culture. Adler participaria de uma mesa-redonda em que falaria sobre a vida e obra de Duras e contaria sobre sua amizade com a escritora. Permaneci no local encontrando uma vaga em meio ao público.
Ladeada de escritoras québecoises, lá estava ela. Pude então escutar um misto de depoimento e conferência fascinantes. A jornalista relatou como os livros de Duras mudaram sua vida: a empatia que ela sentiu num momento doloroso de sua vida com a partida de um filho e a leitura de Barragem contra o Pacífico. Minha conexão com as histórias de Adler e de Duras foi imediata. Absolutamente cativante, Laure Adler dizia: “Se você quer ler Duras, não se impressione pela faceta intelectual, deixe sua leitura livre, laisse aller o texto de Duras”. Ler despretensiosamente… E foi assim que comecei a ler primeiro La vie matérielle, narrativas curtas autobiográficas, híbridas entre crônicas e fatos, esgotado há anos no Brasil. Meu interesse não parou por aí. Comecei a percorrer bibliotecas, livrarias e sebos atrás de livros até chegar nos seus curtas-metragens. Até então, não sabia que ela era também cineasta. Quando escutei sua voz em off no curta Aurélia Steiner (o primeiro a que assisti), fiquei hipnotizada. Sua voz em tom monocórdio e seu texto poético me arrebataram! Enfim, tinha um problema: não sabia como ia me distanciar o bastante para propor uma pesquisa sobre sua obra.
Tudo se deu no ritmo das quatro estações, não aquela de Vivaldi, mas da angústia, do recomeço das estações. Cada folha que tombava no outono, a vontade de desistir de tudo no inverno, a primavera brotando de novo meu estímulo e encantamento por Marguerite Duras, no verão já estava quase em Trouville, flanando nas planches da praia e imaginando como aquele lugar, que felizmente pude conhecer em 2019, teria inspirado sua vida e obra.
Assim, depois de passar por invernos e verões, terminei um doutorado sobre o cinema de Duras. Agora, me dedico à tradução de Écrire, um de seus livros mais fascinantes e significativos. É um privilégio, um prazer, passar os dias na companhia do texto dessa escritora, roteirista, teatróloga, cronista e cineasta. E então, dessa árvore plantada num dia no outono canadense, cairá cada folha pintando o chão das cores magníficas do erablier, em tons de vermelho, rouge, bordeaux, amarelo, verde, enfim.
Luciene Guimarães tem doutorado sobre o cinema e a literatura de Marguerite Duras pela Universidade Laval, Québec, Canadá. Atualmente trabalha na tradução da obra Escrever para a Relicário.
Posts relacionados
COLUNA LIVRE
A escrita como vício, conversa realizada em 23 de novembro de 2021, por ocasião do Circuito Marguerite Duras, teve entre os convidados/as a pesquisadora Isabela Bosi, que nos brindou com a leitura de um texto cheio de rigor e profundidade, o qual, a pedidos, reproduzimos aqui no Blog da Relicário, por ocasião da chegada de …
COLUNA LIVRE
EGOÍSMO MEU Por Nara Vidal Há alguns anos, venho me dedicando a pequenas iniciativas que têm por objetivo divulgar literatura brasileira contemporânea onde moro. Não se trata de bondade ou altruísmo, já que são ações voluntárias. Minha relação com esse movimento é pautada no esforço da permanência de uma língua que é a minha …
COLUNA LIVRE
CARTA A UMA AMIGA por Giovanna Dealtry Querida amiga escritora, Escrevo-lhe uma carta sem minha letra. Poderemos falar nisso em outra carta, se você assim o quiser. Sobre caligrafia e o desenho impresso no papel pelo gesto da mão e do aprendizado da linguagem. É um assunto do meu interesse, porque vivi angustiada com …
COLUNA ASA DA PALAVRA
O FIO DAS PALAVRAS QUE VOAM por Pedro Meira Monteiro Palavras podem voar? Sair por aí, flanando? Podem cair, equilibrar-se, flutuar? Santo Agostinho pensava na palavra como um sinal, capaz de recordar ou apontar para algo. Já Abelardo fez uma pergunta bem mais interessante: o que seria do nome da rosa, se no mundo …