Neste mês, a Relicário Edições comemora oito anos de existência em contribuições à literatura e cultura editorial do Brasil. Por isso, a coluna Pindorama de outubro é dedicada à editora que desde 2019 não só abraçou, mas sobretudo renovou O Rio antes do Rio para seu público leitor. Nova equipe trabalhando no livro, novo design, novos mapas e outros incrementos que enriqueceram demais o projeto como um todo. Nesse espaço de tempo, a Relicário foi responsável pela edição comemorativa do livro para o enredo da Portela em 2020. Além disso, chegamos neste outubro de 2021 com o lançamento de mais uma edição deste livro, que já está disponível nas livrarias físicas e virtuais, e nos canais da própria editora.
Segue a Relicário com o firme compromisso de continuar publicando, distribuindo e promovendo escritores brasileiros e estrangeiros, o melhor da nossa literatura e produção crítica, o que se pode comprovar com uma rápida visitação aos seus recentes lançamentos e catálogo. Relicário é o lugar onde guardamos as coisas mais preciosas, sagradas e inestimáveis. Relicário é o lugar onde se guardam as melhores obras e escribas. Sorte a minha estar nesse time e a de todos nós, leitores que somos, de ter acesso a esse catálogo!
Turismo pré-colonial
Desde o lançamento de O Rio antes do Rio, quando ainda se comemoravam os 450 anos da invasão europeia na Guanabara, recebo perguntas de profissionais de turismo e interessados em descobrir roteiros de visitação pré-colonial. Tamanha curiosidade e interesse tem esse nicho que já até fui convidado a lançar um “passeio” para interessados em admirar in loco vestígios, monumentos e pegadas deste Rio Tupinambá descrito no livro. A civilização pré-colonial da Guanabara era extremamente bem adaptada ao ecossistema da Floresta Atlântica e seus monumentos eram naturais ou, como diríamos hoje, “sustentáveis”. Daí a dificuldade em se perceber a presença histórica da ancestralidade carioca.
Ao contrário de outros povos pré-colombianos, os tupis não erguiam pirâmides nem casas de pedra, não precisavam de engenharia para escassez de água que não tinham. Aos deuses, reservavam não palácios, mas sim mantos escarlates, fumo, boa música e uma boa dose vingança aos inimigos do povo. Seus espíritos rendiam monumento no culto à natureza e aos animais vivos.
Do ponto de vista turístico, e mais importante ainda, da perspectiva identitária e da própria cultura histórica da cidade, é impressionante que o Rio de Janeiro não projete um ponto central, um monumento moderno às suas origens tupínicas. Por enquanto, deixamos isso a cargo da Farmácia Tamoio e da Rádio Tupi. Há espaço para todo tipo de memorabilia, menos ao povo originário de sua própria população.
Visão da Guanabara
Para aqueles que querem ver a cidade com outros olhos, podem começar se dirigindo a um lugar praticamente só acessível de barco ou prancha. Um ponto equidistante dentro da baía entre a barra da Guanabara e a ilha de Villegagnon, de onde é possível ter uma boa visão dos eixos demarcatórios dos 1500, eles permanecem, tirando os aterros modernos da cidade, nos seus mesmos lugares. “Le Ratier”, um afloramento de pedras bem no meio da barra fazendo-a ser traiçoeira para as embarcações a vela, o Corcovado proeminente e o vale de selva da Zona Sul, a foz do rio da aldeia Karióca e, ao seu lado, a ilha de Serigipe, que os franceses ocuparam. Deste ponto se vê toda a baía como o mar, a Grande Ilha, e as outras tantas lá pelo fundo, além das enseadas do “Centro” e de “Nheterô-í”, sendo possível presumir e estimar as distâncias percorridas por canoas e a pé, assim como a localização das diversas aldeias originárias apontadas no livro.
A praia invisível
Também deste ponto do mar vemos a pequena praia voltada para a baía entre o morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar. Ela se localiza bem na entrada do Forte São João emoldurando a paisagem da Escola Superior de Guerra. O local é bem apropriado porque foi nessa praiazinha pouco frequentada pela comunidade militar da base que aconteceram as “batalhas da tranqueira”. No ano de 1565 quando os tupinambás tentavam a todo custo expulsar os portugueses e indígenas aliados da sua base estabelecida naquela várzea adentro, separada de todos os lugares ao redor com uma ilha.
Nessa mesma praia, Estácio mandou construir o que Anchieta descreveu como uma “tranqueira” de paus e pedras para defender aquele que era o único ponto de acesso à várzea entre os dois morros. Ali por pelo menos três vezes os tupinambás de todas as aldeias e mais parentes convocados da Região dos Lagos e do interior tentaram ultrapassar a “tranqueira” protegidos por grandes paredes preparadas de madeira e ramas como escudos, enquanto eram bombardeados por muita pólvora e flechas aliadas aos lusos. Das canoas zuniam na cabeça dos portugueses saraivada de flechas como no filme Trezentos de Esparta. Os registros falam de uma batalha em que trezentas canoas apinhadas de guerreiros avançaram sobre essa fortificação na praiazinha.
Depois de muita luta e mortes, os tupinambás realizaram que o diminuto espaço era impossível de ser conquistado com as forças que dispunham. Precisaram, portanto, esperar navios franceses para uma nova tentativa. Ali, na praia da tranqueira, se decidiu o destino da Guanabara. É a praia invisível da nossa história, porque apesar de muitos terem ali morrido e vivido por essa cidade, desconheço se a praia tem algum nome de verdade. Fico com a Praia da Nação.
O último tamoio
O local cabe muito bem na representação da praia idealizada pelo artista Rodolfo Amoedo quando pintou sua famosa tela “O Último Tamoio” em 1883 – imagem usada com frequência nos livros de história e na iconografia sobre o período. A pintura a óleo mostra Aimberê, o chefe tupinambá, sendo consolado pelo jesuíta José de Anchieta depois da derrota para as forças coloniais. Os dois são retratados numa pequena praia, Aimberê semimorto é acudido por Anchieta, que segura piedosamente seu braço e cabeça. É a pintura de Rodolfo Amoedo que vai inspirar mais de vinte anos depois Gonçalves de Magalhães a escrever a história romanceada baseadas em fatos históricos a “Confederação dos Tamoyos”, a primeira a reconhecer a luta e a resistência dos tupis do Rio de Janeiro por sua terra e liberdade.
Para os guias de turismo e visitantes que quiserem usar da criatividade, um passeio pela mureta da Urca termina com a imagem impressa da pintura de Rodolfo de Amoedo, mostrando essa praia, que pode ser vista próxima à entrada do forte São João. Trinta metros à esquerda de um bom chope no fim de tarde.
Série Guia Turístico de ‘O Rio antes do Rio’
Nas próximas colunas de Pindorama, seguiremos explorando os passeios que podem ser feitos para se descobrir o Rio antes de todos os janeiros, que pode ser visitado e contemplado nos dias de hoje. Convido a todos a acompanharem e realizarem os passeios aqui propostos.
Na coluna de hoje, retratei o passeio que criei exclusivamente para um curso pré-pandemia, realizado com quatro turmas numa traineira carioca, com direito a stand-up paddle na praia de Adão e Eva. Não sabe onde fica? Talvez eu conte nas colunas seguintes.
Até a próxima!
Rafael Freitas da Silva é carioca, jornalista, repórter e produtor de TV. Publicou pela Relicário O Rio antes do Rio, que se encontra na 5ª edição. Prepara a publicação do próximo livro, Arariboia.
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COLUNA PINDORAMA
GUIA TURÍSTICO DE ‘O RIO ANTES DO RIO’
por Rafael Freitas da Silva
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Segue a Relicário com o firme compromisso de continuar publicando, distribuindo e promovendo escritores brasileiros e estrangeiros, o melhor da nossa literatura e produção crítica, o que se pode comprovar com uma rápida visitação aos seus recentes lançamentos e catálogo. Relicário é o lugar onde guardamos as coisas mais preciosas, sagradas e inestimáveis. Relicário é o lugar onde se guardam as melhores obras e escribas. Sorte a minha estar nesse time e a de todos nós, leitores que somos, de ter acesso a esse catálogo!
Turismo pré-colonial
Desde o lançamento de O Rio antes do Rio, quando ainda se comemoravam os 450 anos da invasão europeia na Guanabara, recebo perguntas de profissionais de turismo e interessados em descobrir roteiros de visitação pré-colonial. Tamanha curiosidade e interesse tem esse nicho que já até fui convidado a lançar um “passeio” para interessados em admirar in loco vestígios, monumentos e pegadas deste Rio Tupinambá descrito no livro. A civilização pré-colonial da Guanabara era extremamente bem adaptada ao ecossistema da Floresta Atlântica e seus monumentos eram naturais ou, como diríamos hoje, “sustentáveis”. Daí a dificuldade em se perceber a presença histórica da ancestralidade carioca.
Ao contrário de outros povos pré-colombianos, os tupis não erguiam pirâmides nem casas de pedra, não precisavam de engenharia para escassez de água que não tinham. Aos deuses, reservavam não palácios, mas sim mantos escarlates, fumo, boa música e uma boa dose vingança aos inimigos do povo. Seus espíritos rendiam monumento no culto à natureza e aos animais vivos.
Do ponto de vista turístico, e mais importante ainda, da perspectiva identitária e da própria cultura histórica da cidade, é impressionante que o Rio de Janeiro não projete um ponto central, um monumento moderno às suas origens tupínicas. Por enquanto, deixamos isso a cargo da Farmácia Tamoio e da Rádio Tupi. Há espaço para todo tipo de memorabilia, menos ao povo originário de sua própria população.
Visão da Guanabara
Para aqueles que querem ver a cidade com outros olhos, podem começar se dirigindo a um lugar praticamente só acessível de barco ou prancha. Um ponto equidistante dentro da baía entre a barra da Guanabara e a ilha de Villegagnon, de onde é possível ter uma boa visão dos eixos demarcatórios dos 1500, eles permanecem, tirando os aterros modernos da cidade, nos seus mesmos lugares. “Le Ratier”, um afloramento de pedras bem no meio da barra fazendo-a ser traiçoeira para as embarcações a vela, o Corcovado proeminente e o vale de selva da Zona Sul, a foz do rio da aldeia Karióca e, ao seu lado, a ilha de Serigipe, que os franceses ocuparam. Deste ponto se vê toda a baía como o mar, a Grande Ilha, e as outras tantas lá pelo fundo, além das enseadas do “Centro” e de “Nheterô-í”, sendo possível presumir e estimar as distâncias percorridas por canoas e a pé, assim como a localização das diversas aldeias originárias apontadas no livro.
A praia invisível
Também deste ponto do mar vemos a pequena praia voltada para a baía entre o morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar. Ela se localiza bem na entrada do Forte São João emoldurando a paisagem da Escola Superior de Guerra. O local é bem apropriado porque foi nessa praiazinha pouco frequentada pela comunidade militar da base que aconteceram as “batalhas da tranqueira”. No ano de 1565 quando os tupinambás tentavam a todo custo expulsar os portugueses e indígenas aliados da sua base estabelecida naquela várzea adentro, separada de todos os lugares ao redor com uma ilha.
Nessa mesma praia, Estácio mandou construir o que Anchieta descreveu como uma “tranqueira” de paus e pedras para defender aquele que era o único ponto de acesso à várzea entre os dois morros. Ali por pelo menos três vezes os tupinambás de todas as aldeias e mais parentes convocados da Região dos Lagos e do interior tentaram ultrapassar a “tranqueira” protegidos por grandes paredes preparadas de madeira e ramas como escudos, enquanto eram bombardeados por muita pólvora e flechas aliadas aos lusos. Das canoas zuniam na cabeça dos portugueses saraivada de flechas como no filme Trezentos de Esparta. Os registros falam de uma batalha em que trezentas canoas apinhadas de guerreiros avançaram sobre essa fortificação na praiazinha.
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O último tamoio
O local cabe muito bem na representação da praia idealizada pelo artista Rodolfo Amoedo quando pintou sua famosa tela “O Último Tamoio” em 1883 – imagem usada com frequência nos livros de história e na iconografia sobre o período. A pintura a óleo mostra Aimberê, o chefe tupinambá, sendo consolado pelo jesuíta José de Anchieta depois da derrota para as forças coloniais. Os dois são retratados numa pequena praia, Aimberê semimorto é acudido por Anchieta, que segura piedosamente seu braço e cabeça. É a pintura de Rodolfo Amoedo que vai inspirar mais de vinte anos depois Gonçalves de Magalhães a escrever a história romanceada baseadas em fatos históricos a “Confederação dos Tamoyos”, a primeira a reconhecer a luta e a resistência dos tupis do Rio de Janeiro por sua terra e liberdade.
Para os guias de turismo e visitantes que quiserem usar da criatividade, um passeio pela mureta da Urca termina com a imagem impressa da pintura de Rodolfo de Amoedo, mostrando essa praia, que pode ser vista próxima à entrada do forte São João. Trinta metros à esquerda de um bom chope no fim de tarde.
Série Guia Turístico de ‘O Rio antes do Rio’
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Na coluna de hoje, retratei o passeio que criei exclusivamente para um curso pré-pandemia, realizado com quatro turmas numa traineira carioca, com direito a stand-up paddle na praia de Adão e Eva. Não sabe onde fica? Talvez eu conte nas colunas seguintes.
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