Um livro que trate, nos dias que correm, do acontecimento feroz que foi a Internacional Situacionista deve ser lido e recebido com atenção. É muito bem-vindo ao nosso tempo – agora que já são decorridos 25 anos do século XXI – recolocar em pauta um pensamento cuja radicalidade desafiou o mundo à sua volta no âmbito das artes, da política e do conhecimento.
Quase todas as pessoas que atuam nesses campos dão conta, em alguma medida, de quem foram e o que fi zeram Guy Debord, Asger Jorn, Constant Nieuwenhuys e cia. O que poucos conhecem, entretanto, são os caminhos e as engrenagens da reflexão filosófica daquele grupo desassombrado entre os anos de 1957 e 1974. Donos de muita atitude e personalidade (além de vaidade, é preciso que se diga), os situacionistas pensaram uma filosofia impetuosa que combinava militância política, prática artística e crítica social.
No centro daquela reflexão, estava o conceito de desvio, designando uma ação que funcionava como um dispositivo analítico – um método/antimétodo para a crítica da vida cotidiana; é sobre isso a tese que Laura escreveu. Trata-se de uma investigação que conjuga análise conceitual e pesquisa histórica a partir de documentos e arquivos, mas que é ousada o sufi ciente para unir uma leitura marxiana ao riso irônico provocado pelos memes; é valente o bastante para assumir os riscos de reivindicar para o presente a atitude situacionista como possibilidade de experiência política transformadora da vida urbana atual.
Desvio não se restringe mais a um movimento tido como internacional, mas que era vigente sobretudo no centro da Europa, naquele Maio de 1968; aqui, o termo designa uma atitude disseminada mundo afora, por periferias e centralidades, afirmada (ainda e mais uma vez) nos âmbitos artístico, político e estético. Por isso, é crucial o título proposto pela autora – deslegitimar, atualizar, vulgarizar –, indicando modos de agir.
Trazido aos dias de hoje, o desvio confronta a repercussão da produção do espaço urbano sobre os corpos, leva ao limite a crítica à transformação contemporânea da sensibilidade e mensura os gestos dos habitantes urbanos na medida de sua “resistência e revolução”, como pontua a autora. Em suas palavras, escrever sobre o desvio é pensar em como essa atitude filosófica “transforma materialidades ao descontextualizá-las de sua seriedade, exclusividade e elegância originais”.
Rita Velloso
Professora da Escola de Arquitetura da UFMG