Paloma Vidal mostra os bastidores da tradução da mexicana Margo Glantz. Lançamento ao vivo no YouTube em 7 de maio terá presença da autora
Por Michelle Strzoda
Nesta sexta, dia 7 de maio, às 19h, haverá o lançamento de E por olhar tudo, nada via, da mexicana Margo Glantz. Na ocasião, Glantz conversa ao vivo no YouTube da Relicário com a tradutora Paloma Vidal e Adriana Kanzepolsky, que assina o prefácio do livro. O evento é gratuito, basta acessar este link (https://bityli.com/NBtKT) e será muy bienvenido.
Argentina de nascimento e radicada em São Paulo, Paloma compartilha nesta entrevista e numa performance musicada curiosidades e momentos do ofício da tradução.
No território das redes sociais parecemos viver em um mundo em que todos falam ao mesmo tempo, mas ninguém ouve. Margo Glantz é uma mexicana dos anos 1930. O que você, durante a tradução de E por olhar tudo, nada via, enxergou na escrita de Glantz, afiada ao longo de décadas?
Paloma Vidal: Destaco três aspectos nesse livro e outros mais recentes da Margo: a fragmentação, o humor e a rememoração. Ela estabelece um diálogo com escritores como Georges Perec, que também fizeram uma literatura com essas características, sendo que a dela se volta para o nosso contexto latino-americano, encarando o presente de um jeito extremamente agudo.
Você já havia traduzido uma obra anterior de Margo Glantz do espanhol ao português, Aparições. Uma das semelhanças entre seu trabalho e o de Glantz é a versatilidade de tarefas em torno das letras. Além de ensaísta e romancista premiada, Margo Glantz é professora de literatura na UNAM e tradutora. Isso a aproximou mais da escrita fragmentada, em camadas, proposto pela autora?
PV: O que me fascinou no primeiro livro que traduzi dela, Aparições, publicado em 2002, foi a superposição de duas histórias, duas paixões, a de uma mulher em um relacionamento amoroso perverso e a de freiras coloniais que entregam suas vidas a Deus. A construção desse livro tem muito a ver com a versatilidade de Glantz, leitora de Bataille e de Sor Juana Inés de la Cruz, que são matéria de seus ensaios e também entram em suas ficções.
Como tradutora – mas sobretudo, como latino-americana, escritora, poeta, professora de literatura –, acredita que seja uma epifania reunir em um apenas um livro referências como Sor Juana Inés de la Cruz, Franz Kafka, Wisława Szymborska, Walter Benjamin, Juan Rulfo? Podemos dizer que isso seja uma amostra da colagem das emoções e revelações de Glantz?
PV: Glantz tem uma imaginação e uma erudição incríveis, é uma leitora voraz de literaturas de tempos e lugares os mais variados, pensa a contemporaneidade e participa dela de vários modos, inclusive com quase 60 mil seguidores no Twitter. Ela traz esses olhares múltiplos para suas obras, que se tornam objetos únicos de reflexão e experimentação.
Interseções
Antes de o texto traduzido chegar ao leitor, o processo de tradução provoca em quem o exerce uma sensação estranha. Aí temos um vasto campo a explorar, mas para aprofundar o tema precisaríamos da ajuda de mestres no ofício, como Paulo Rónai, Umberto Eco e companhia – só para citar alguns ilustres. A intenção aqui, no entanto, é mais direcionada a uma espécie de cumplicidade, sobretudo quando se estabelece proximidade narrativa, correspondências e vínculo, caso de Margo e de Paloma.
Ao traduzir o livro nos primeiros meses da pandemia de Covid, embevecida com as palavras, temas, fragmentação, deslocamentos e experimentação de Glantz, tudo isso somado ao transtorno vivido com a situação do Brasil no cenário da crise sanitária, Paloma Vidal escreveu esse poema:
para a mayra o que é que importa? que a. acordou com 37,7 de febre e me corta a respiração pensar que ele pode estar com covid ou que ele esteja muito magro desde que teve apendicite e eu me culpe por não conseguir convencê-lo a ter uma alimentação saudável ou que eu não saiba direito o que é uma alimentação saudável porque não sei direito de onde vem a comida que eu como? ou que o atual governo queira acabar com a natureza e com a cultura ou que f. ainda ria de todas as minhas piadas e a. não ria de nenhuma que eles são o sol da minha vida e isso seja uma metáfora talvez um pouco gasta mas não menos eficaz ou que este jeito de escrever seja viciante e que eu tenha me viciado depois de traduzir durante os primeiros meses da quarentena um livro de margo glantz chamado “y por mirarlo todo, nada veía”? ou que eu não consiga me separar de nada e de ninguém ou que isso não seja totalmente verdade e que eu tenha muita dificuldade de dizer o que é verdade e o que não é e que talvez por isso eu diga muito “talvez”, “um pouco” e frequentemente não complete as frases o que irrita muito meus filhos e meu namorado ou que eu gostaria de chamar meu namorado de “meu homem” mas que isso talvez seja cafona e que eu tenha dito a muitas pessoas que estou escrevendo um conto erótico e que agora já não consigo escrevê-lo porque o brasil acaba com a libido da gente ou que a gente precise resistir a isso com todas as nossas forças ou que a palavra “resistência” esteja muito gasta e ainda assim seja necessário usá-la? ou que minhas amigas me perguntem por whatsapp se minha dor de cabeça passou e isso me faça chorar ou que eu chore muito ultimamente e que chorar não adianta nada ou que as pessoas deveriam se juntar por zoom para chorar juntas mas que talvez essa não seja uma boa e seja muito melhor a ideia de uma amiga de fazer “coreografias de apartamento” que ela posta no instagram que eu agora use o instagram mas não saiba direito como e prefira o twitter como m.g. que tem 90 anos e quase 50.000 seguidores e que eu só tenha 1 seguidora ou que uma amiga tenha dito que o twitter é o melhor lugar para se divertir em tempos de crise mas isso foi antes do bolsonaro? e que as redes e o zoom e os streamings e tudo mais que acontece online nos deixe assoberbadxs e angustiadxs e ao mesmo tempo entusiasmadxs que agora eu use o x para não marcar o gênero e que isso signifique um problema na hora de ler em voz alta e por isso seja melhor o “e” e que antes uma regra deste blog era não falar de escrita ou deste blog mas isso mudou no final do ano passado e agora já não tem mais volta e que a sensação de que não tem mais volta nem sempre é ruim mas aplicada ao brasil de agora seja extremamente triste e que para não ficar triste eu escreva sem parar mensagens, posts, diários, listas e também isto aqui ou que usar a escrita para isso talvez a banalize mas entre a banalidade e a tristeza eu prefiro a banalidade e que seja difícil saber o que é banal ou não e que seja preciso arriscar? ou que uma amiga mande em um grupo uma matéria de uma capivara que aproveitou a praia vazia e foi nadar no mar e que minha amiga chame isso de rolêzinho e que meu último rolêzinho antes da quarentena tenha sido com minhas amigas no dia internacional da mulher e que isso pareça uma pre-história e que de lá pra cá sofremos muito com nossa penas e as dos outros e então o que importa? que talvez importe não parar de se importar
Paloma Vidal (Buenos Aires, 1975) é escritora e professora de Teoria Literária na Unifesp. Publicou, entre outros, Algum lugar, Escrever de fora: viagem e experiência na narrativa argentina contemporânea, Mar azul, Wyoming e Menini, Estar entre: ensaios de literaturas em trânsito e Pré-história. Além de Glantz, traduz autores como Adolfo Bioy Casares e Tamara Kamenszain.
Link para assistir: https://www.youtube.com/c/TVAisthesis Emissão de certificados para os que se inscreverem no link: https://forms.gle/ZWwkreM8EBHM9UbJA
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COLUNA LATINIDADES
O QUE IMPORTA?
Convidada Paloma Vidal
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Por Michelle Strzoda
Nesta sexta, dia 7 de maio, às 19h, haverá o lançamento de E por olhar tudo, nada via, da mexicana Margo Glantz. Na ocasião, Glantz conversa ao vivo no YouTube da Relicário com a tradutora Paloma Vidal e Adriana Kanzepolsky, que assina o prefácio do livro. O evento é gratuito, basta acessar este link (https://bityli.com/NBtKT) e será muy bienvenido.
Argentina de nascimento e radicada em São Paulo, Paloma compartilha nesta entrevista e numa performance musicada curiosidades e momentos do ofício da tradução.
No território das redes sociais parecemos viver em um mundo em que todos falam ao mesmo tempo, mas ninguém ouve. Margo Glantz é uma mexicana dos anos 1930. O que você, durante a tradução de E por olhar tudo, nada via, enxergou na escrita de Glantz, afiada ao longo de décadas?
Paloma Vidal: Destaco três aspectos nesse livro e outros mais recentes da Margo: a fragmentação, o humor e a rememoração. Ela estabelece um diálogo com escritores como Georges Perec, que também fizeram uma literatura com essas características, sendo que a dela se volta para o nosso contexto latino-americano, encarando o presente de um jeito extremamente agudo.
Você já havia traduzido uma obra anterior de Margo Glantz do espanhol ao português, Aparições. Uma das semelhanças entre seu trabalho e o de Glantz é a versatilidade de tarefas em torno das letras. Além de ensaísta e romancista premiada, Margo Glantz é professora de literatura na UNAM e tradutora. Isso a aproximou mais da escrita fragmentada, em camadas, proposto pela autora?
PV: O que me fascinou no primeiro livro que traduzi dela, Aparições, publicado em 2002, foi a superposição de duas histórias, duas paixões, a de uma mulher em um relacionamento amoroso perverso e a de freiras coloniais que entregam suas vidas a Deus. A construção desse livro tem muito a ver com a versatilidade de Glantz, leitora de Bataille e de Sor Juana Inés de la Cruz, que são matéria de seus ensaios e também entram em suas ficções.
Como tradutora – mas sobretudo, como latino-americana, escritora, poeta, professora de literatura –, acredita que seja uma epifania reunir em um apenas um livro referências como Sor Juana Inés de la Cruz, Franz Kafka, Wisława Szymborska, Walter Benjamin, Juan Rulfo? Podemos dizer que isso seja uma amostra da colagem das emoções e revelações de Glantz?
PV: Glantz tem uma imaginação e uma erudição incríveis, é uma leitora voraz de literaturas de tempos e lugares os mais variados, pensa a contemporaneidade e participa dela de vários modos, inclusive com quase 60 mil seguidores no Twitter. Ela traz esses olhares múltiplos para suas obras, que se tornam objetos únicos de reflexão e experimentação.
Interseções
Antes de o texto traduzido chegar ao leitor, o processo de tradução provoca em quem o exerce uma sensação estranha. Aí temos um vasto campo a explorar, mas para aprofundar o tema precisaríamos da ajuda de mestres no ofício, como Paulo Rónai, Umberto Eco e companhia – só para citar alguns ilustres. A intenção aqui, no entanto, é mais direcionada a uma espécie de cumplicidade, sobretudo quando se estabelece proximidade narrativa, correspondências e vínculo, caso de Margo e de Paloma.
Ao traduzir o livro nos primeiros meses da pandemia de Covid, embevecida com as palavras, temas, fragmentação, deslocamentos e experimentação de Glantz, tudo isso somado ao transtorno vivido com a situação do Brasil no cenário da crise sanitária, Paloma Vidal escreveu esse poema:
para a mayra
o que é que importa?
que a. acordou com 37,7 de febre
e me corta a respiração pensar
que ele pode estar com covid
ou que ele esteja muito magro
desde que teve apendicite e eu me culpe
por não conseguir convencê-lo a ter
uma alimentação saudável
ou que eu não saiba direito o que é
uma alimentação saudável
porque não sei direito de onde vem
a comida que eu como?
ou que o atual governo queira acabar
com a natureza e com a cultura
ou que f. ainda ria de todas as minhas
piadas e a. não ria de nenhuma
que eles são o sol da minha vida
e isso seja uma metáfora
talvez um pouco gasta
mas não menos eficaz
ou que este jeito de escrever seja
viciante e que eu tenha me viciado
depois de traduzir durante
os primeiros meses da quarentena
um livro de margo glantz
chamado “y por mirarlo todo, nada veía”?
ou que eu não consiga me separar
de nada e de ninguém
ou que isso não seja totalmente verdade
e que eu tenha muita dificuldade
de dizer o que é verdade e o que não é
e que talvez por isso eu diga muito
“talvez”, “um pouco” e frequentemente
não complete as frases
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e meu namorado
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mas que isso talvez seja cafona
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que estou escrevendo um conto erótico
e que agora já não consigo escrevê-lo
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ou que a gente precise resistir a isso
com todas as nossas forças
ou que a palavra “resistência” esteja
muito gasta e ainda assim seja
necessário usá-la?
ou que minhas amigas me perguntem
por whatsapp se minha dor de cabeça
passou e isso me faça chorar
ou que eu chore muito ultimamente
e que chorar não adianta nada
ou que as pessoas deveriam se juntar
por zoom para chorar juntas
mas que talvez essa não seja uma boa
e seja muito melhor a ideia de uma amiga
de fazer “coreografias de apartamento”
que ela posta no instagram
que eu agora use o instagram
mas não saiba direito como
e prefira o twitter como m.g.
que tem 90 anos e quase 50.000 seguidores
e que eu só tenha 1 seguidora
ou que uma amiga tenha dito
que o twitter é o melhor lugar
para se divertir em tempos de crise
mas isso foi antes do bolsonaro?
e que as redes e o zoom e os streamings
e tudo mais que acontece online
nos deixe assoberbadxs
e angustiadxs
e ao mesmo tempo entusiasmadxs
que agora eu use o x para não marcar o gênero
e que isso signifique um problema
na hora de ler em voz alta
e por isso seja melhor o “e”
e que antes uma regra deste blog
era não falar de escrita ou deste blog
mas isso mudou no final do ano passado
e agora já não tem mais volta
e que a sensação de que
não tem mais volta nem sempre é ruim
mas aplicada ao brasil de agora
seja extremamente triste
e que para não ficar triste
eu escreva sem parar
mensagens, posts, diários, listas
e também isto aqui
ou que usar a escrita para isso
talvez a banalize
mas entre a banalidade e a tristeza
eu prefiro a banalidade
e que seja difícil saber o que é banal
ou não e que seja preciso arriscar?
ou que uma amiga mande em um grupo
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que aproveitou a praia vazia
e foi nadar no mar
e que minha amiga chame isso
de rolêzinho
e que meu último rolêzinho antes
da quarentena tenha sido
com minhas amigas no dia
internacional da mulher
e que isso pareça uma pre-história
e que de lá pra cá sofremos muito
com nossa penas e as dos outros
e então o que importa?
que talvez importe não parar
de se importar
Paloma Vidal (Buenos Aires, 1975) é escritora e professora de Teoria Literária na Unifesp. Publicou, entre outros, Algum lugar, Escrever de fora: viagem e experiência na narrativa argentina contemporânea, Mar azul, Wyoming e Menini, Estar entre: ensaios de literaturas em trânsito e Pré-história. Além de Glantz, traduz autores como Adolfo Bioy Casares e Tamara Kamenszain.
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COLUNA LIVRE
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