Neste conjunto de ensaios sobre Walter Benjamin, Patrícia Lavelle toma como ponto de partida uma das questões que fundam o modo de fazer filosofia no Ocidente: o da especificidade do logos filosófico diante da tradição mito-poética. Entretanto, toda crítica que se fez em nome da separação entre filosofia e poesia, não deixava de trazer à luz os procedimentos poéticos que as impregnavam. Platão, por exemplo, ao denunciar o perigo dos poetas, o fazia, com frequência, recorrendo a imagens poéticas. Dentre esses recursos, o da metáfora se impôs, resultando daí um esforço para compreender sua força, desde pelo menos Aristóteles.
Partindo da interpretação de Hannah Arendt em sua polêmica com Adorno e relembrando ao leitor as contribuições de Ricoeur e Blumenberg, a autora situa Walter Benjamin entre aqueles filósofos que mais longe levaram a ligação entre filosofia e poesia, sem com isso reduzir uma à outra ou ainda sem tornar a filosofia “serva” da poesia. Pelo contrário, a dimensão poética do pensamento de Benjamin, como Patrícia tão bem mostra, é indissociável de uma reflexão sobre a linguagem, sobre a materialidade da linguagem, para ser mais exato, de tal modo que um pensamento por “imagens” não paira no éter ou no vazio, mas se apresenta em formas concretas e historicamente situadas. Daí a permanente invenção, por Benjamin, de metáforas e narrativas atravessadas por construções conceituais. Esse é, sem dúvida, o fio condutor desse livro, que entrelaça seus diferentes ensaios, mas cuja costura é singular em cada um dos temas tratados.
Não é exagerado dizer que o próprio texto de Patrícia Lavelle também se apresenta na forma de uma costura poética. Como se o cerne do pensamento de Benjamin só pudesse fazer sentido, na medida em que, como hábil tecelã das palavras, ela tomasse para si a tarefa de não apenas expor conceitualmente o pensamento de Benjamin, mas também de expô-lo na forma benjaminiana, isto é, não temendo enfrentar o desafio de explicitar essa teia, na qual se cruzam pensamento e poesia, utilizando ela mesma uma linguagem que roça o poético. O que não é de se estranhar porque Patrícia também é uma poeta. O que não a eximiu, entretanto, de um trabalho primoroso de reconstrução do diálogo de Benjamin com muitas de suas fontes, contextualizando seu pensamento no interior de uma época e no cruzamento de diversas tradições. Nesse sentido, este livro é exemplar.
Produto de muitos anos de estudo, percorrendo diversas línguas e confrontando-se com diversos intérpretes, este livro ratifica a posição ímpar de Patrícia Lavelle no interior da pesquisa brasileira sobre Benjamin. Cada leitor, cada leitora, especialista ou não, encontrará neste livro estímulo e inspiração para futuras leituras.
Texto de orelha de Ernani Chaves – Professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará