Nesta coletânea de exílio, Ovídio faz uma espécie de balanço de suas produções pregressas. Por um lado, ele as discute e reavalia na posição de leitor das próprias obras, num rico processo de autorrecepção. As Tristezas são um exemplo de poesia da Antiguidade que realiza crítica literária e teoriza sobre si mesma e sobre o próprio fazer poético, trazendo em seu bojo questões e implicações extremamente modernas. Por outro, diante da mudança instaurada pela relegação, Ovídio se autoficcionaliza e se transforma em personagem de suas próprias obras, de modo a retomar e a reescrever suas produções anteriores, mas agora sob a perspectiva do exílio. Essa sua poesia não é uma ruptura em relação ao que a antecede, mas sim um selo de continuidade. As Tristezas tornam-se a súmula da produção ovidiana, um epitáfio do poeta que revisita retrospectivamente suas obras e as deixa registradas numa nova coletânea que lhe servirá de testamento para a posteridade, como forma de eternizar seu nome, sua trajetória poética e sua autobiografia literária.
A tradução dos Tristia e sua análise teórica, publicados agora em dois volumes, compõem a tese de doutoramento de Júlia Batista Castilho de Avellar, que recebeu em 2020 a menção honrosa na ANPOLL e o Prêmio de teses da UFMG na área de Estudos Literários.